TSUNDOKU e a obrigação de ler …

Sabe aquela sensação louca numa livraria ou feira de livros quando você olha tantos livros e…. preciso preciso preciso ?!

Alguns sei que nunca vou lê-los e outros… que não vou terminar, mas ainda assim não paro de comprá-los!!!

A expressão japonesa Tsundoku significa “deixar um livro sem ler depois de comprá-lo, normalmente empilhado com outros livros ainda não lidos”.

Na verdade, é um jogo de palavras onde, “tsundoku” corresponde à forma oral do verbo “tsunde oku”, que quer dizer “empilhar e deixar de lado por um tempo” e “doku”, um ideograma correspondente ao verbo ler e, assim, criou-se uma “nova palavra” cujo sentido é a aquisição de materiais de leitura que acabam empilhados sem nunca serem lidos

A palavra ficou mais conhecida quando escritora Ella Frances Sander criou uma imagem para ela, a qual está em seu livro “Lost in Translation: An Illustrated Compendium of Untranslatable Words from Around the World”, Ramdon House, 2014, onde discorre sobre 50 palavras “estranhas” que não tem traduções exatas para o inglês, mas sim significados!

Comprar livros e deixá-los amontoando até chegar o dia em que finalmente vamos pegar neles é algo comum a muitos leitores, o que acaba resultando sempre numa pilha enorme… muito maior do que se consegue ler.  E há diversas razões para isso… compulsão mesmo , status – para passar a impressão de muito conhecimento/intelectual (sim isso ainda existe!), razões sentimentais – como adquirir um livro que leu na infância ou que te fez lembrar alguém, por exemplo, ou porque saiu uma nova capa linda, ou ainda por “culpa daquele e-mail alert” sobre um assunto que você gosta, e até mesmo aqueles que “temos que ler

Mas podemos mudar isso? Bom no caso somente de compulsão e acumuladores o tratamento pode ser mais complicado….  mas no caso daquelas compras “tem que ler porque todo mundo leu, ou está lendo” é um pouco mais fácil… é só começar a ler por prazer apenas ….

E isto vale também àqueles que nos ensinam a ler!!!

Ranganathan (1892-1972) matemático e bibliotecário indiano, criou 5 “leis” para a Biblioteconomia (as quais são ainda muito atuais) diz, numa delas, que “cada livro tem o seu leitor”, o que eu concordo …

Sempre achei que não dá para se obrigar a ler algo…. Se você começou a ler e a leitura “emperrou” … deixe pra lá e volte outro dia; outro ano ou não volte…  Sim, isso mesmo não volte!!! – como também diz Ranganathan – “poupe o tempo do leitor”!!

É claro que tem aquelas obras que lemos na escola… afinal a importância pedagógica das leituras obrigatórias é algo a se considerar pois os alunos precisam aprender literatura, interpretação de textos bem como comparar as diversas obras, etc, e ler é sem dúvida a melhor maneira de fazê-lo, porém existem maneiras e maneiras de se fazer isto.. não é?Fazendo uso do “terrível Machado de Assis”  , como exemplo… Quantos adultos você encontra por aí lendo algum livro dele? Dá para contar nos dedos de uma mão… Só mesmo quando daquela obrigação que tivemos na escola? Pior que sim… e aí você passa “a odiar” alguém que poderia ser seu “grande amor”

Concordo também que as vezes uma “certa obrigação” nos faz bem… alguns títulos que me “obrigaram” a ler, e, inclusive, alguns “clássicos obrigatórios” foram coisas muito boas e me surpreendi na maioria delas, mas isto porque os professores que tive não somente obrigaram… mas também tiveram o cuidado de explicar, instigar, de ajudar a compreender o contexto e até a “desafiar” como no caso do livro “O Processo” do Kafka…. embora não tenha dado certo com a Metamorfose

O psicanalista, escritor e professor de literatura, francês, Pierre Bayard, por exemplo, vai mais longe e diz que “o mais importante não é ter lido várias obras por completo, e sim saber se orientar, situar o livro e o autor dentro de um conjunto, para poder compará-los e relacioná-los com outros”.

Tem pessoas que não aceitam o fato de você não se interessar por um grande clássico da história da literatura… ou aquele livro “indispensável”…. Não existe livro indispensável… (embora os livros sejam indispensáveis tá? ) Cada um está livre para ler o que quiser.

E discorre que apesar de nunca ter lido Ulisses, de James Joyce (confesso que nem euzinha Pierre!), nem por isso deixa de conhecê-lo… “Sei que a história se passa em apenas um dia, tem a ver com a Odisséia, de Homero, e vários outros detalhes que me permitem ter uma ótima conversa sobre o texto com quem quer que seja”.

Para ele a leitura é um ato de liberdade – não há como impor regras a ela!

“…É justamente essa obrigação de ter que ler que nos impede de chegar aos livros. Sacralizamos tanto os livros, o fato de ler e ter que guardar todas as informações e detalhes dos textos, que acabamos morrendo de medo das palavras e, então, … não lemos. Prefiro evitar todo tipo de “dever” ou “obrigação” sobre esse assunto…”

Não é preciso ter vergonha de não ter lido um clássico ou algum outro livro “que todo mundo deveria ler” e, de novo, não estou falando contra a obrigatoriedade de certas leituras durante a nossa formação escolar não, mas sim daquela cobrança que “temos que ler” certas obras para “provar” que somos cultos ou inteligentes! 

Todos nós temos diferentes formas de aprender e um certo cuidado ao “apresentar” os livros às pessoas, especialmente aos jovens alunos, faz toda a diferença! 

 Ainda bem que alguns professores insistem e, em vez de “somente ensinar”, nos encantam e nos fazem ser salvos deste “destino cruel” como eu por exemplo, que realmente conheci, e descobri – nas deliciosas aulas de Literatura do grande Mestre Ivan Russef (FESPSP), a ironia refinada de Machado de Assis (presente nos diversos contos deste grande autor)… maior ironia para alguém que é super fã de ironia!!!

 

6 Comments

  1. Me sinto mais aliviada e sem culpa por emperrar as vezes…rsrsrs

    Adorei!!

  2. Belo texto querida Renata! Muito sensível, diretamente para o coração de uma bibliotecária amante de “livros mil”, de qualquer tipo e mídia, assim como de “bibliotecas mil”.
    Já estou esperando o próximo do blogblogmeu.
    bjs

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